Cabe a nós, os anticapitalistas,
administrarmos a crise do capitalismo?
Será que alguém do nosso campo ainda tem dúvidas
quanto à impossibilidade de o capitalismo se recuperar de suas contradições
internas usando as próprias receitas e insistindo no cumprimento das regras
constitucionais que as impõem?
Será que, conservando-se dentro das premissas
pré-estabelecidas, um modo de produção social insano, segregacionista,
utilitário e oportunista, que não leva em conta os danos ecológicos, vai
conseguir resolver os problemas sociais e do aquecimento global?
Será que o combate ao negacionismo obtuso pode ter
êxito sem questionar as regras de comportamento social que impõem a negação do
óbvio ululante?
Será que já não caiu para todos nós a ficha de que
é impossível, e isto foi historicamente comprovado, termos algum dia maioria parlamentar
capaz de legislar contrariando os interesses do capital?
Será que é tão difícil assim compreendermos que, ao
aceitarmos o jogo previamente definido do processo eleitoral, dominado pelo
poder econômico, principalmente nos grotões do Brasil profundo, seremos sempre
derrotados?
Será que vamos mesmo estar negando o jogo político
da institucionalidade capitalista (poderes instituídos pelo republicanismo
burguês) se dele continuarmos participando sempre minoritariamente e
legitimando-o a partir do juramento de cumprimento, no que eles têm de
fundamental, dos seus cânones constitucionais segregacionistas?
Será que nos é possível negarmos ou transformarmos
conceitualmente a instituição da qual fazemos parte enquanto estivermos
sujeitos à pena de sermos dela excluídos por quebra do decoro parlamentar ou
jurisdicional?
Será que nunca nos vamos compenetrar de que a causa
do descrédito dos governantes de direita é a mesma que nos atinge quando
governamos dentro das regras constitucionais capitalistas, e que se traduz no
movimento pendular eleitoral cíclico entre direita e esquerda governamentais,
ambas presas aos mesmos parâmetros, ainda que com sensibilidades diferenciadas?
Será que devemos pugnar pela retomada do
desenvolvimento capitalista, como têm feito todas as correntes da esquerda
institucional, de olho no dinheiro dos impostos que sustenta o Estado opressor,
e nas migalhas que o poder oferece, e priorizando sempre sua sobrevivência, sem
desconfiar de que vivemos um momento de saturação político-econômica e de que
precisamos de outra lavagem de roupa?
Será que é correto aceitarmos o poder político
vertical do Estado?
Será que não podemos entender que o atual processo
de emissão de moeda sem lastro, meramente fiduciária, é uma forma de controle
estatal muito mais despótico do que qualquer outro já havido na trajetória da
humanidade, como se fôssemos escravos da pós-modernidade e nos tivéssemos de contentar
com cotas de ração?
Será que vamos, durante muito tempo ainda,
continuar passando batidos pela obviedade de que o blablablá sobre o imperativo
da observância da (há muito ineficaz) responsabilidade fiscal somente serve
para negar o atendimento às demandas sociais, com os parcos recursos da receita
estatal sendo direcionados para o pagamento dos juros da dívida pública e
financiamento das estruturas do poder institucional?
Será que vamos igualmente continuar míopes para o
fenômeno da falência do Estado como consequência do colapso do modelo econômico
social, esquivando-nos, tanto quanto os políticos atrelados à estrutura
institucional do Estado, ao dever de representarmos a antítese da
irracionalidade truculenta e primária de governantes despreparados para a
administração da falência sistêmica (os quais desejam permanecer no poder
decrépito pela força e com bravatas de soluções fáceis), já que nós mesmos
estaremos atuando politicamente sob as mesmas bases funcionais
político-econômico-sociais?
Será que devemos nos colocar a reboque dos políticos de direta nos esforços
para a permanência das mesmas categorias capitalistas (trabalho abstrato
inexistente; valor e dinheiro sem valor econômico válido; produção de
mercadorias sem mercado; mercado depressivo; Estado falido; disputa política
dentro da falência política representativa, etc.)?
Será que a a posição coerente no nosso caso é a de
dizer amém, e não criticar, a essência dos cânones jurídicos constitucionais e
ordinários, como se o Direito instituído (e que se constitui como anti-Direito
natural) fosse a representação legítima da vontade popular e não uma
consequência da manipulação da dita cuja por parte do poder econômico?
Será que nos cabe reproduzir (e delas participar)
as obsessões de políticos de esquerda e de direita que, mesmo diante da maior
crise econômica e sanitária do pós-guerra, somente pensam nas eleições de 2022?
Será que ainda não percebemos que os políticos de
ultradireita, com suas proposições desumanas e autoritárias, embora sendo bem
mais perigosos do que aquelas raposas felpudas da política acostumadas à
diplomacia de salão e ao convívio parlamentar educado e hipócrita, representam
espécies de um mesmo gênero?
Talvez alguns leitores considerem que os meus
questionamentos sejam sectários; corro tal risco conscientemente.
E termino perguntando: será que colocar o espelho
para que vejamos a face de nossa própria irracionalidade, que tantos males
causam secularmente à humanidade, não deve ser considerado como autocrítica
necessária? (por Dalton
Rosado)
Postado por celsolungaretti