Desde que conseguimos este espaço da Nação Hip Hop Brasil temos utilizado para estimular o debate de temas relevantes para a Nação e de análises de conjuntura para os hip hoppers principalmente. Raramente vimos comentários, críticas e retornos do que aqui publicamos, ainda que consideremos que os temas e abordagens são universais. Porém, nesta coluna resolvemos fazer uma abordagem um pouco mais complexa. Com a nossa democracia sob ataque, rupturas institucionais e reconfigurações políticas, faz-se importante entender nosso lugar no mundo. Assim que em breves e mal traçadas linhas vamos cotejar a literatura no Hip Hop no sentido de contribuição para formação das identidades, e o diálogo destas identidades formadas no contexto da cultura de rua no processo democrático brasileiro.
A perspectiva de escrever sobre livros e escritos produzidos por membros da comunidade Hip Hop me acompanha há muito tempo, desde que escrevi o livro “Hip Hop – Consciência & Atitude”, lançado em 2005 pela editora Livro Pronto, verdade seja dita, não escrevi o livro e sim compilei vários textos escritos para o sitio da CUFA, no tempo de sua formação. Antes disso, em 1999 criei e editei a revista Hip Hop – Cultura de Rua, primeira revista comercial dedicada ao Hip Hop e distribuída nacionalmente, mas com vida curta. Durante os anos 1990 e parte da primeira década do novo século escrevi para veículos de imprensa majoritários, grandes jornais e revistas como Folha de São Paulo, Noticias Populares, revista Capricho e Raça Brasil, como também para veículos da imprensa alternativa, um sem número de artigos.
Diferentemente da televisão, por onde também caminhei e caminho, o texto literário ganha vida quando é lido, quando é adotado por um sujeito que resolve se dedicar, envolver, flertar com aquele conjunto de letras reunidas que formam as palavras, e isso é o que me intriga, o que estamos lendo? O que você que está flertando com este conjunto de letras juntadas por mim, o que você tem lido?
Nas universidades e centros acadêmicos dedicados a literatura, muitos cientistas têm se dedicado a conceituar a importância da literatura na sociedade. No decorrer da história dos estudos literários, ora tentaram definir a literatura como texto de ficção, ora como um modo especial de trabalhar com a linguagem. Posteriormente, o conceito de literatura passou a ser compreendido como forma de deleite e entendimento de mundo ou, ainda, como conjunto de normas sobre a estrutura e a palavra escrita.
Mas, e para as gentes do Hip Hop? Qual significado da literatura e leitura para estes intelectuais orgânicos? Para você que me lê, o que significa o livro? Entre aqui embaixo e deixe sua opinião. Toni C, editor, e um mestre da literatura hip hopeana escreveu um livro chamado “ O Hip Hop está morto”, porém, os livros estão vivos? Pois se os livros não estiverem vivos o hip hop não estará morto, pois não será devidamente anunciada ou não a sua passagem ou sobrevida.
Em meu conceito, Toni está ao lado de Jeff Chang estadunidense autor do excelente “Generación Hip Hop: De la guerra de pandillas y el grafiti al gangsta rap” (só encontrei este livro em sua versão espanhola e não em português), que conta a história de criação e desenvolvimento do Hip Hop mainstream a partir dos Estados Unidos, William Irwin coordenador da coletânea Hip Hop e a filosofia, livro que leva as experiências letras e conceitos do Hip Hop para comparações com os escritos filosóficos, entre outros grandes nomes que promovem o Hip Hop.
Porém, para nossa sorte, Toni é brasileiro, paulistano e membro destacado da Nação Hip Hop. Criador do selo Literarua há muito Toni está divulgando escritos, publicando livros, e estimulando a leitura da literatura hip hopeana. Porém, será que isso é em vão? Assim como sua biografia do maestro do Canão, o falecido rapper Sabotage, os livros e escritos nascidos no Hip Hop estão em um bom lugar? Insisto: Qual livro você tem lido? Dá o papo aí, entre aqui a baixo e comente, o seu não comentário será a demonstração que o Hip Hop está morto, que a nossa literatura não está em um bom lugar, que loucos editores como o nosso Toni C estão jogando seu dinheiro fora. Que livro você está lendo?
Certamente, envergonhado ou não, você poderá questionar este autor sobre o título deste escrito: “Sobre hip hop, democracia e identidades”, mas me diga, sem leitura, sem literatura reforçando as nossas identidades existiria democracia? A quem interessa a nossa apatia e desconhecimento de quem somos se não aos usurpadores dos nossos direitos? A quem interessa a sua não leitura, a sua não busca de conhecimento que não aos usurpadores do poder da maioria minorizada que somos nós? Você, ao não ler, ao não escrever, ao não debater, ao não produzir, também é responsável pelo sucesso dos opressores, da direita, dos matadores, dos alijadores de direitos.
Assim, neste debate sobre identidade, produção de conhecimento e registro da história é que durante o Congresso Nacional da Associação de Pós-graduandos encontrei o pós-graduando da PUC-SP o sr. Marcelo Roberval, que com este nome poucos certamente conhecerão, mas quiçá como MC Who pioneiro do Hip Hop paulistano liderando o grupo Credo seja mais conhecido.
Who ao lado de Kaseone acabou de lançar o livro “Hip Hop-Cultura de Rua”, neste, traz um bom apanhado histórico sobre a configuração do Hip Hop paulistano, com bastante ilustração e documentos de época, é quase uma etnografia do movimento local. E de São Paulo faz um giro pelo movimento Brasil a fora, passando por Brasília, Belo Horizonte, Goiânia e Rio de Janeiro. Quando chega no Rio de Janeiro se instala as contradições e pontos fora da curva, pois da voz a ativistas mais recentes e nenhuma aos pioneiros cariocas, porém, é um livro que vale a pena ser consumido e debatido.
O mais importante em qualquer livro, seja o do MC Who e Kaseone, seja os editados por Toni C ou os gringos, é a intenção de registrar a cultura de rua, que em seus primórdios desde o continente africano está baseada na oralidade. É registrar a resistência de determinado grupo social por sobrevivência e reconfiguração das situações postas pelo topo da pirâmide. É, em forma de palavras cultas ou em dialeto periférico, o sinal mais claro de que a periferia vive, que produzimos cultura e que dentro de nós, por nós e para fora de nós somos a maioria.
Certo mano?
*Richard Santos, é doutorando em Ciências Sociais no CEPPAC-UNB, mestre em comunicação pela Universidade Católica de Brasília, especialista em História e Cultura no Brasil pela Universidade Gama-Filho, e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo. Membro do Observatório Latino-americano da Indústria de Conteúdos Digitais na Universidade Católica de Brasília, diretor da Nação Hip Hop Brasil. No movimento Hip Hop é conhecido como Big Richard.